quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dormi com Drummond

Ganhei este texto de presente de um amigo muito querido. Gostei tanto que me senti na obrigação de compartilhar com vocês. Boa Leitura!!!!


Dormi com Drummond


Por Paulo Henrique Araújo


Era uma daquelas tardes de terrível calor na minha ainda bela cidade. Terrível para mim, preso ao trabalho e as incertezas de meu coração. O calor assim como a angústia sempre teve o poder de me sufocar. Sai andando pelas ruas que já há muito tempo conhecia, tão intimas de mim como eu próprio de minha solidão. E andei talvez muitos anos naquela tarde de trinta e tantos graus, que o asfalto tornava mais quente. Revivi os momentos mais doces e as palavras mais amargas. Refiz meu rosto várias vezes nas calçadas e ouvi uma voz a me incomodar os pensamentos.

Pensei em viajar e me atirar nos braços do mar mais uma vez... Ter quem sabe aquela sensação de infinito e calmaria que busco nesse momento. Lembrei daquele ano de 1998, quando ganhei o meu primeiro livro de Drummond, aquele livro usado e amarelado pelo tempo, estava sempre tão próximo na estante de minha avó e eu o evitava, porque não sabia como entender o que realmente o autor queria dizer, e fingia não estar interessado.

Abafando a grande curiosidade e admiração que a cada linha crescia mais e mais por aquelas historias, pelo “vestido na parede”, “pelo desaparecimento Luiza Porto”. Poeta que me desafiava com os olhos, por trás daqueles óculos e me deixava inseguro por seu semblante inofensivo, vai “Carlos ser gauche na vida”.

Fui aos lugares que costumava me reencontrar. Respirei profundamente aquele ar, como quem busca na memória um perfume. Lembrei das promessas que me fiz e ainda não cumpri, livros não terminados, rascunhos de cartas, lembretes. Tanta coisa para arrumar, coisas que talvez nem lembre mais. Andei um pouco mais e não dei nem dez passos. Senti em cada lugar que olhava as palavras do poeta maior, o “sentimento do mundo” e nem percebi que já era tarde, tão tarde para qualquer curativo nos calos do meu coração.

Abri a porta da casa, olhei, mas nada vi. Enxerguei apenas um bloco de concreto bem acabado e cheiroso. Percebi que estava demasiadamente crescido para tanta preocupação. Ouvi as conversas costumeiras de como seria o dia e que mais uma vez o ano passou a galope. Mas fiquei sem vontade de falar também de como sentia falta dos anos que passaram. O meu medo de perder a hora. A hora de começar a viver como se deve viver. A hora de ter certeza de que estarei aqui fazendo parte da historia que vivo hoje.

Dormi então sem uma resposta, longe de ter a cabeça vazia de pensamentos. E acordei tremendamente feliz, alguns anos mais novo e pronto para botar o pé no mundo e sair em busca de um grande tempo perdido.

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